Sobre_Viver na quarentena: A Negação do Racismo na Educação

Sobre_Viver na quarentena: A Negação do Racismo na Educação

ssa conversa foi uma troca entre eu, Marina, psicóloga, faço parte da equipe do Colégio Viver, e Roberta Gomes, cantora e compositora, convidada para debatermos esse assunto. Decidimos começar a partir do tema “ negação do racismo”, porque vivemos em um país onde ainda é muito pouco assumido e discutido a questão racial como problemática em nossa sociedade, apesar das estatísticas mostrarem em todas as áreas a imensa desigualdade social presente na população brasileira, sendo manifestada uma diferença muito grande entre negros e brancos, no acesso à educação, ao mercado de trabalho, à saúde, moradia e saneamento básico, assim como num frequente e crescente número de mortes de jovens negros periféricos.

Segundo o IBGE: “Em 2017, 14,83 milhões de brasileiros viviam em situação de extrema pobreza, e 75% dessas pessoas eram negras.”. “Atualmente, existem cerca de 13,4 milhões de brasileiros desempregados, e 64,2% deles são negros.”. “95% do quadro de liderança das 500 maiores empresas do Brasil é ocupado por pessoas brancas.” Esses dados mostram que ainda hoje, as pessoas negras permanecem numa condição precarizada em relação às pessoas brancas. Esse fato reflete o racismo estrutural presente na nossa sociedade, um processo histórico e cultural onde a relação de desigualdade é mantida, apontando lugares sociais impostos pra cada grupo racial e mantendo privilégios para os brancos, grupo que recebe a herança material e simbólica da construção racista de nossa sociedade.

Assista a live na íntegra

Para discutir o Racismo é preciso uma contextualização histórica sobre como a nossa sociedade brasileira foi constituída. Foi construída com base em um processo violento de colonização, exploração, e escravidão que durou séculos, e que mesmo após a abolição, houve ao invés de política públicas de inserção dessa população que havia sido escravizada e tratada como mercadoria, dentro da sociedade, oferecendo acesso a serviços e direitos básicos (como a educação), teve em seu lugar a política de embranquecimento do Brasil, facilitando a entrada de imigrantes europeus como mão-de-obra para um país que iniciava sua era industrial, a expansão do capitalismo com base no Imperialismo. Esse processo fez com que a população negra fosse marginalizada, levada a ocupar as periferias e sem acesso aos direitos. Isso é o Racismo estrutural, uma forma colonizada de tratar a população negra com o intuito de manter o ciclo de exclusão iniciada na colonização.

O modo como o racismo estrutural se manifesta nas instituições e organizações que compõe a sociedade, é chamado de racismo institucional, um mecanismo que gera e legitima condutas excludentes e estruturam as empresas, políticas, organizações (e escolas), de forma a excluir a população negra dos recursos e direitos. Essa dinâmica passa por todo o círculo social das pessoas, por todas as etapas de desenvolvimento, está presente em como a família se organiza, como as estruturas e relações sociais funcionam, e essas experiência vão organizando a subjetividade vão formando as memórias, e as relações que participam da construção da constituição subjetiva das pessoas.

Mas apesar de vivermos e respirarmos o racismo em todo o canto, foi criada e difundida uma ideia de que o Brasil é um país diverso e miscigenado, uma forma de romantizar a colonização e de velar o racismo existente, através do Mito da Democracia Racial, em que todas as raças (conceito social e político que engloba as diferentes identidades raciais) possuem as mesmas oportunidades e direitos, o que as estatísticas e as últimas notícias que nos abalaram no último mês, sobre a perda de vidas negras, crianças, jovens e adultos perdidos por essa lógica racista que legitima e autoriza todas essas violência, nos mostram que não é assim que funciona.

Precisamos assumir que o Brasil é um país racista, e desconstruir o mito da Democracia Racial presente no imaginário dos brasileiros, assumirmos nossa responsabilidade como cidadãos de enfrentar o racismo e a desigualdade social que ele sustenta. E a escola tem um papel muito importante nesse ponto, na construção de uma equidade, como Roberta bem colocou na conversa, em busca de uma condição de igualdade que leva em consideração as diferenças para que nenhum grupo seja precarizado por suas diferenças.

Nessa troca de conversa, num tempo curto que nos impediu de aprofundar o tema na sua complexidade que exige, discutimos um pouco sobre o modo como o racismo pode aparecer dentro da escolas, e algumas necessárias ações para impedir que isso aconteça. A cena escolar é um contexto comum onde as primeiras experiências de racismo são vivenciadas, muitas vezes na Infância. É preciso que a escola esteja atenta a essa questão, que a discussão racial seja uma pauta presente na rotina escolar e não apenas num evento temático. Quanto mais ações e intervenções sobre a temática racial dentro do contexto escolar, mais os alunos terão acesso a uma compreensão da dinâmica social racial, e isso é fundamental para a construção de uma identidade negra positiva.

É necessário representatividade (e proporcionalidade) dentro da equipe pedagógica, das crianças e famílias que compõem a comunidade escolar, dentro da literatura apresentada aos alunos, nas representações em brinquedos, mídias, e nos símbolos presentes na cultura escolar. Uma representatividade desde um lugar de valor, de beleza, de potência. Dentro do conteúdo pedagógico é necessário sair de um lugar único da história do negro do Brasil, reduzida à única narrativa da escravidão. Buscar trazer narrativas de retorno à potência da história da população negra brasileira, da resistência, da luta desses povos, dos quilombos, da capoeira, da cultura que construíram, assim como também resgatar a história, a diversidade cultural, as formas de se viver, os conhecimentos produzidos pelos povos africanos.

Tudo isso impacta nas referências da criança e do jovem negro, e na construção positiva de sua identidade própria e de seu pertencimento racial. Falamos também da escuta, de validar e acolher o sofrimento causado por discriminações raciais. Precisamos escutar essa dor. Aprendemos a negá-la e invisibilizá-la, individualizando a situação, reduzindo a uma simples brincadeira. Mas esse racismo deixa marcas profundas nas subjetividades dessas crianças, desses jovens, dessas famílias, por isso, precisamos aprender a escutar. Precisamos, como educadores, fortalecer nossos alunos negros, e nesse sentido, o afeto e a atenção são muito importantes na formação de uma auto-estima positiva.

Politizar essa dor é uma forma de trazer à compreensão que ela diz respeito a uma problemática racial, trazer do privado e individual, para o coletivo e político, procurando produzir outros sentidos, dando oportunidade de compreender que é um problema social com raízes históricas e apoiar para uma nova compreensão sobre si mesmo e do povo ao qual pertence, desde uma posição de afirmação de potência, de força. Todos os educadores, negros, brancos, todos estamos envolvidos e participamos dessa lógica, a branquitude é sujeito ativo nas relações raciais, e precisa se posicionar de forma prática nesse enfrentamento ao racismo.

Agradeço a Roberta por sua presença, suas contribuições e reflexões, ao colégio Viver por esse espaço importante de troca e reflexão sobre o assunto. A conversa foi muito potente, uma troca em que conseguimos nomear fenômenos importantes dentro da educação que dizem respeito a problemática racial, e saímos da conversa com a certeza que esse assunto precisa e pede por mais aprofundamento, reflexão e prática. Termino aqui dizendo que a escola, se busca ser um espaço de rompimento dos ciclos de exclusão e desigualdade precisa ser um espaço de construção e afirmação da identidade racial, e de compreensão da diversidade étnico-cultural. E que esse é um processo sem fim, mas um contínuo estudo e engajamento na luta antirracista dentro da educação.

Marina Alciati


Deixo aqui algumas sugestões de músicas que Roberta Gomes compartilhou para refletir sobre o tema:

300 Anos de Negritude JuniorSpotfyInstagram

Samba Enredo Vila Isabel 88: Kizomba, Festa Da Raça – Edit de GeraSpotfy

Referência dos dados do IBGE:IBGE

Marina Alciati

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